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domingo, 31 de agosto de 2014

Casa Anne Frank


A casa  Anne Frank pode ser considerada um museu casa com um conceito particular concebido por seu pai Otto Frank, único sobrevivente entre os oito judeus escondidos por mais de dois anos no local. Está localizada no número 263 da Prinsengracht, uma das principais vias com canais, no coração de Amsterdam, capital da Holanda. Os membros da família Frank eram judeus alemães que migraram para a Holanda, quando Hitler ascendeu ao poder, iniciando as perseguições anti-semitas. Em Amsterdam, Otto Frank estabeleceu-se na fabricação de pectina, usada para elaboração de geléias, mantendo também um armazém. Mais tarde a sociedade com a família Van Pels amplia o empreendimento com o conhecimento de Herman Pels em especiarias utilizadas na confecção de carnes e embutidos, enquanto  chega até eles as notícias sobre o recrudescimento à perseguição dos judeus na Alemanha. Com o início da Segunda Guerra e a invasão da Holanda pelos nazistas, iniciam-se as perseguições também no país que Otto Frank julgara seguro para estabelecer-se com sua família. Começa, então, montar nos fundos  e nos andares superiores de sua fábrica e armazém uma casa, com quartos, sala, cozinha e banheiros para ficarem escondidos até o final  do conflito. Ajudados por quatro funcionários de confiança da empresa, os quatro membros da família Frank, três membros da família Pels e mais Fritz Pfeffer, acolhido posteriormente, ficaram escondidos entre julho de 1942 e agosto de 1944, quando são presos, a partir de uma denúnica anônima. Ali,Anne Frank escreveu seu diário, narrando o cotidiano do esconderijo do Anexo Secreto, sob viés subjetivo de uma menina de 13 anos que vivia os sentimentos antagônicos de medo, aflição e esperança de um dia poder sair dali e sentir-se novamente livre. Após a prisão, dois dos ajudantes entraram no local e encontraram o diário de Anne, espalhados entre cadernos e folhas soltas. Estes foram recolhidos, guardados e entregues ao pai de Anne, no término da guerra. Otto Frank organizou e compilou os escritos, excluindo os aspectos privados, decidindo mais tarde publicar o diário, que, ao ser traduzido para cerca de 37 línguas,  acabou por se tornar uma das memórias mais potentes da perseguição aos judeus pelos nazistas.



Em 1957, o imóvel da Prinsengracht, onde localizara-se o esconderijo,  foi ameaçado de demolição, tendo sido preservado graças à iniciativa dos moradores de Amsterdam. Foi então fundada a organização Casa de Anne Frank e Otto Frank foi convidado a compor o Conselho de Curadores. A casa foi restaurada e aberta como museu em 1960. Em 1993 a cidade de Amsterdam autorizou o projeto "Preservação  e Futuro da Casa de Anne Frabk",. Em 1999, um novo prédio foi construído, o numero 265 foi restaurado e o prédio 263 foi reformado a partir de plantas e fotografias de Maria Austria, todos documentos de 1957. A restauração restituiu uma atmosfera sombria dos anos 1940, através dos detalhes como maçanetas, interruptores de luz, papel de parede, cores, piso e cortinas.

Por decisão de Otto Frank a casa não foi reconstituída como na época, mas deixada vazia como fora deixada pelos nazistas, com o intuito de simbolizar o vazio deixado pelos milhares de judeus perseguidos e mortos na Segunda Guerra. Uma maquete reproduz com detalhes a decoração de cada um dos cômodos do Anexo Secreto. Citações do diário de Anne; pequenas fotografias legendadas; as marcas na parede que indicaram o crescimento das meninas nos dois anos do esconderijo; imagens das revistas coladas na parede no quarto de Anne. O vazio do ambiente semi-obscuro, embora pouco carregado pela ausência de artefatos, encarna a emoção das pessoas que ali ficaram escondidas. Aqui, o mais relevante é imaginar-se na época e colocar-se no lugar dos escondidos, que disputavam um espaço exíguo, não podiam fazer qualquer barulho durante o dia e tentavam distrair-se com leituras, aprendizagem de línguas e escritas.


A exposição do diário de Anne é um dos pontos fortes da exposição. Além dos escritos, vários vídeos são exibidos durante o percurso, alguns traduzidos em 4 ou 5 línguas, outros apenas em holandês e inglês. Ao sair do esconderijo e do prédio histórico, alcança-se o novo edifício, pleno de luz, com a intençã de oferecer conforto ao visitante. Ali, um documentário de cerca de 10 minutos apresenta dezenas de depoimentos sobre o impacto do diário de Anne Frank.

No catálogo traduzido ao português que pude adquirir na loja do museu, muitas informações complementam a visita, especialmente sobre a casa e  o museu. Uma citaçã de Primo Levi, sintetiza o significado do diário de Anne Frank e, consequentemente, do museu:

"Uma única Anne Frank nos toca mais do que um número incontável  de outros que sofreram como ela, mas cujas faces permanecem nas sombras. Talvez seja melhor desta forma; se fosse possível absorvermos todo sofrimento daquelas pessoas, não conseguiríamos viver." (Primo Levi, escritor e sobrevivente de Auschwitz).

Para saber mais, visite http://annefrank.org/fr/Sitewide/Languages/Portugues/

Obs: segunda fotografia: Otto Frank, pai de Anne,  no dia da inauguração do museu em 1960.


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Henri Cartier-Bresson em exposição


O Centro Georges Pompidou em Paris apresenta, de fevereiro a junho de 2014, a exposição Henri Cartier-Bresson que marca uma década do desaparecimento desse grande fotógrafo. A mostra  inicia por uma longa cronologia biográfica do artista, possível de ser lida enquanto se aguarda na longa fila de entrada. Composta por diversas salas, a exposição segue um percurso também cronológico da vida e obra de Cartier-Bresson, explorando com detalhes momentos importantes da sua vida profissional, cuja formação foi iniciada na Academia do pintor Andre Lothe. Lá ele aprendeu as regras clássicas da geometria e da composição que vão marcar suas imagens ao longo de sua carreira. Admirador das fotografias da velha Paris de Eugene Atge que ele conhecera através do casal norte-americano Crosby, começa a despertar para a fotografia. Para abordar esse momento da vida de Cartier-Bresson, a mostra expõe alguns óleos dobre tela, colagens e fotografias nitidamente inspiradas no olhar de Atge. 




A exposição é composta sobretudo por imagens fotográficas de Henri Cartier-Bresson e a cada sala um pequeno texto fornece informações sobre o momento abordado. Há alguns anos recorro aos áudio-guias no museus. Para os museus de arte tradicionais são ótima solução para aprofundar aspectos de determinadas obras sem corromper a expografia com textos nas paredes, inimagináveis em determinados espaços, sobretudo de arquitetura suntuosa. Na mostra de Cartier-Bresson o áudio repete a informação do texto e aprofunda a análise da imagem a que se refere. A visita com áudio, nesse caso, tornou a expo muito mais rica ao proporcionar elementos de análise das imagens, invisíveis ao observador comum. 



Em 1930, Bresson embarcou para  África, onde aplicou as inovações da Nova Visão fotográfica.  Da atração pelo surrealismo, que o fotógrafo afirmou tê-lo marcado profundamente, Cartier-Bresson adota, a partir dos anos 1930, uma atitude  de revolta defendendo o anticolonialismo, os republicanos espanhóis, bem como lutando contra a ascensão do fascismo. Nas imagens dessa década é possível perceber o engajamento social e documental do fotógrafo ao atender diversas encomendas do Partido Comunista. Ainda é possível observar nessa retrospectiva a guinada cinematográfica do fotógrafo e sua preocupação em criar uma narrativa para um público mais amplo. Segundo ele, o cinema não tem relação com a fotografia, pois esta seria uma imagem visual plana, como um desenho, enquanto o cinema seria um discurso. Uma sala com 4 paredes projetavam concomitantemente filmes produzidos entre 1935 e 1945 e um filme sobre a guerra civil espanhola, este exibido numa sala onde o visitante, já cansado no meu caso, poderia sentar-se. 

A narrativa segue abordando a consagração do fotógrafo apresentado no MOMA de Nova Iorque em 1947, a opção pelo fotojornalismo e a fundação da cooperativa Magnum Fotos. Os principais acontecimentos do século XX até os anos 1970 passaram pelas lentes de Henri Cartier-Bresson: os funerais de Gandhi, na Índia; a China nos últimos dias do Kuomintang; a Rússia após a morte de Stálin; Cuba na crise dos misseis; maio de 1968, na França. A exposição ainda permite o contato com inúmeras imagens coloridas, produzidas sob encomenda para muitas revistas. Para Bresson, amante incontestável do preto e branco, a fotografia colorida não passava de uma concessão. A partir dos anos 1970, Henri Cartier-Bresson vai abandonando a agência Magnum e a fotorreportagem. Suas fotografias retomam o olhar contemplativo e poético de suas primeiras imagens. Voltando às origens, retorna ao desenho.

A retrospectiva do centro George Pompidou em parceria com a fundação Henri Cartier-Bresson tem muito do que se espera de uma boa exposição. Sem grandes inovações, apresenta de modo linear e aprofundado a biografia do fotógrafo. Observando suas imagens, o visitante, mesmo que não leia qualquer texto ou escute o áudio-guia, apreende o percurso do artista nos seus aspectos técnico, poético e político, além de conhecer em imagens fotográficas aspectos dos principais acontecimentos do século XX,  a partir da mirada de quem foi considerado "o olho do século".




Algumas das máximas de Henri-Cartier-Bresson:


"O que conta em uma foto é sua plenitude e sua simplicidade."


"As fotos me prendem, não o inverso."


"Eu sou um homem visual.
Eu observo, observo, observo.
É pelos olhos que eu compreendo as coisas."



"É a vida que me interessa e sempre a próxima foto."


Para ver algumas das imagens da exposição, não deixe de entrar aqui:

http://www.centrepompidou.fr/cpv/ressource.action?param.id=FR_R-8c3927ca103e21f93722c4695e4783e&param.idSource=FR_E-8528b4338f3fde2beee8388769730d1

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A vênus negra e os museus

Tal fênix renasce das cinzas, meu blog ressurge. E o mote para esse retorno são duas das minhas paixões: cinema e museu. A última postagem aqui publicada referiu-se à repatriação das coleções dos museus europeus ou norte-americanos para seus países de origem. Acabo de assistir um filme que tangencia essa problemática contemporânea ao narrar a biografia de Saartjie Baartman, africana da etnia hotentote que, no século XIX, deixa o Cabo (hoje África do Sul) rumo à Europa, acompanhada de seu senhor branco, com  a promessa de enriquecer atuando em um circo. Sarah acaba sendo forçada a exibir seu corpo em espetáculos em Londres e Paris, servindo de atração para os olhos brancos europeus ávidos pelo exótico proveniente dos continentes neocolonizados. Com direção de Abellatif Kechiche e tendo Yahima Torres no papel principal, o filme francês, belga e tunisiano, lançado em 2010, aborda a curiosidade européia diante deste outro, proveniente da África e que apresenta características anatômicas peculiares que suscitam a curiosidade. Onde os museus entram nessa história? Os cientistas do Museu do Homem de Paris também vão se interessar pela vênus hotentote e vão tentar investigá-la - evidentemente no âmbito dos parâmetros da ciência da época, calcada na frenologia e na craniometria, embora esta se recuse a expor a intimidade de seu corpo. O drama de Sarah apresentado no filme, além de mostrar a crueza e o sofrimento impetrados pelos brancos aos africanos desterritorializados, toca no desencontro entre  diferenças étnicas e de gênero, onde o corpo é usurpado por meio da exposição ao olhar, seja um olhar sexualizado, seja um olhar científico que almeja o conhecimento sobre o outro. O filme corporifica o drama vivido por muitos africanos submetidos a esse olhar, a exemplo daqueles que foram fotografados para nutrirem o gosto europeu por imagens do exótico ou para finalidades científicas, quando não foram diretamente expostos, como no caso de Sarah. Os restos e registros da vênus hotentote produzidos pelo Museu de Paris foram devolvidos à África do Sul nos anos 1990, quando os museus intensificavam esse debate internacional. Como menciona o filme, ao mostrar esse movimento contemporâneo, o mal feito à Sarah não pode ser reparado, mas, ao menos, seus restos podem hoje descansar em paz nas terras de seus antepassados.
Para ver o filme: http://filmesonlinetocadoscinefilosvideos.blogspot.com.br/2013/08/venus-negra-2010-direcao-abdellatif.html